“Pensando o Brasil” – CNBB e as Eleições 2014

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PENSANDO O BRASIL: DESAFIOS DIANTE DAS ELEIÇÕES 2014
DESAFIOS DA REALIDADE SOCIOPOLÍTICA

1. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entende que é responsabilidade de todo cidadão, participar, conscientemente, da escolha de seus representantes. Para os cristãos tal escolha deve ser iluminada pela fé e pelo amor cristãos, os quais exigem a universalização do acesso às condições necessárias para a vida digna de filhos de Deus. Afinal, “ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos. Uma fé autêntica – que nunca é cómoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela”1.

2. Nossa fé requer que “todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Ao contrário disso, constatamos que irmãos nossos têm sido maltratados e muitos, inclusive, perderam e continuam perdendo a vida à espera de serviços públicos. Enquanto isso, outros se corrompem e enriquecem com recursos que deveriam ser destinados a políticas que atendam às necessidades do povo. Os meses que antecedem as eleições constituem um momento privilegiado para a reflexão sobre tais situações injustas que se alastram no País. É uma oportunidade para anunciar qual é o plano de Deus para seus filhos. Somos chamados a empenhar-nos em viver o evangelho do Reino na esperança de vê-lo antecipado na terra, ainda que sob o signo da Cruz. Isso exige que trabalhemos pela superação dos sofrimentos atrozes vividos por aqueles que são sistematicamente excluídos e que não se veem respeitados em sua dignidade de pessoa humana.

3. As eleições que ocorrerão em outubro deste ano se revestem de um significado especial para o País. Os cristãos comprometidos com a vivência de sua fé e todos os homens e mulheres de boa vontade são chamados a ações mais efetivas. Nesta eleição, pessoas que já tiveram condenação judicial em segunda instância estarão impedidas de se apresentarem como candidatas. Esse fato – resultado da chamada “Lei da Ficha Limpa” (Lei 135/210) – um fruto da mobilização e da participação política dos brasileiros que, no exercício de sua cidadania, fizeram valer seu desejo de não serem representados por quem não encarne os valores da ética e do compromisso com a sociedade. Essa lei criou a possibilidade de uma efetiva renovação, já que vários políticos – acostumados a usar cargos eletivos como profissão e a se beneficiarem do exercício de suas funções para proveito próprio e não como serviço ao público – estarão, agora, forçados a deixar a disputa eleitoral. Esta é uma importante conquista para a democracia brasileira.

4. Desta vez os cidadãos brasileiros vão às urnas depois das significativas manifestações de junho e julho de 2013, quando milhares de pessoas ocuparam as ruas exigindo melhores serviços de transporte, de saúde, de educação, além de outras tantas demandas por políticas públicas realmente comprometidas com os interesses populares. Destaca-se no “discurso das ruas”, também, a insatisfação com a maneira como políticos eleitos vêm exercendo o poder, distanciados das necessidades da população, fazendo da política um
1 Papa Francisco. Evangelii Gaudium. Brasília: Ed. CNBB, 2013, n. 183.
balcão de negócios, onde se barganha bens da coletividade como se fossem particulares. O direito de representar os eleitores, que um candidato conquista nas urnas, tem de ser assumido pelo político como um dever de servir. Ao contrário disso, uma lógica perversa tem pautado a atuação de inúmeros eleitos, desvirtuando a finalidade da própria política que, ao invés de tratar do bem comum, se converte em espaço de conchavos e negociações espúrias. O protesto das ruas pode ser compreendido como um clamor contra o poder que se torna fim em si mesmo e que deixa, portanto, de ser verdadeira representação popular.

5. A mudança dessas situações de injustiça e desigualdade requer a intervenção dos cristãos na política, como eleitores ou como candidatos. Problemas políticos exigem ação política; uma cidadania ativa. Os cristãos devem contribuir oferecendo à sociedade sua proposta de construção de um mundo mais justo e igualitário. Está cada vez mais claro que “não basta fazer o diagnóstico da atual crise; impõe-se também uma tomada de decisão sobre os meios mais justos e eficientes para a sua superação, e esta é uma decisão política”2.

PARTICIPAÇÃO DOS CRISTÃOS NA POLÍTICA

6. A fé, à luz dos evangelhos, não deve ser entendida como simples mergulho numa interioridade mística, em busca de paz individual. Uma experiência cristã madura impõe o enfrentamento da realidade e sua transformação para que todos tenham vida em plenitude. O Papa Francisco lembra a importância da participação política dos cristãos e sua responsabilidade na difícil, porém necessária, construção de uma sociedade mais justa: “devemos envolver-nos na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum”3. Segundo o Papa, se a política se tornou uma coisa “suja”, isso se deve também ao fato de que “os cristãos se envolveram na política sem espírito evangélico”. É preciso que o cristão deixe de colocar em outras pessoas a responsabilidade pela situação atual da sociedade e que cada um passe a perguntar a si mesmo o que pode fazer para tornar concreta a mudança que se deseja.

7. Os períodos eleitorais constituem-se em momento propício à participação dos cristãos, de quem se espera conscienciosa atuação no processo decisório sobre aqueles que conduzirão a coisa pública. Mas, não basta o voto. Para além das urnas, deve-se proceder ao rigoroso acompanhamento do trabalho dos eleitos – por meio do monitoramento de suas ações, projetos e gastos – exigindo que exercitem de fato a representação que lhes foi conferida. Todos os cristãos são convidados a se dedicarem a essa iniciativa. A cada discussão, a cada reunião, a cada voto consciente, a cada momento em que um cidadão se decide a favor da honestidade, do bem comum e contra a corrupção aprimora-se, em mútua cooperação, a democracia.

8. Ao nos aproximarmos das urnas, devemos ter a consciência de que – embora o voto constitua um momento privilegiado de participação cidadã numa democracia representativa – está longe de encerrar-se a responsabilidade cristã. A decisão consciente de votar em candidatos que representem os valores cristãos é um passo importante, mas não é o único. É preciso que, como cristãos, continuemos a contribuir para que haja um diálogo que aponte às mudanças necessárias na consolidação de uma cidadania inclusiva, de modo a garantir que a sociedade possa participar e exercer democraticamente o poder político.

9. A participação política não se restringe aos atos formais de votar ou de se reunir em associações comunitárias, sindicatos e partidos políticos, mas também inclui a participação em grupos culturais, étnicos, que ocorrem fora dos espaços institucionais previamente definidos pelos limites da democracia representativa. Com essa concepção,
ganha especial importância o monitoramento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Tal tarefa deve ser realizada por grupos de acompanhamento do legislativo, nas esferas municipal, estadual e federal; por conselhos de fiscalização de políticas públicas; por interessados em compreender e popularizar os processos judiciários; e por cidadãos interessados em fiscalizar a ação dos poderes públicos e que se dispõem a sugerir e a propor políticas que atendam suas necessidades específicas. Esses grupos devem ser formados de modo apartidário e não confessional. Essa prática, se for sistemática, também poderá contribuir para estimular a necessária autonomia e o exercício da competência própria por cada um dos poderes, no cumprimento de suas funções constitucionais.

10. O monitoramento dos poderes públicos deve se pautar pela defesa obstinada dos valores éticos, pelo combate incessante à corrupção, pela luta contra a violência em suas diversas manifestações: a violência doméstica, os excessos das forças policiais, o narcotráfico, o tráfico de pessoas e de armas; toda ação que, de qualquer maneira, atente contra a liberdade e negligencie o bem comum.

11. Para além das ações de monitoramento dos poderes públicos, o combate à corrupção implica a defesa dos valores éticos, da inviolabilidade da vida humana, da promoção e resgate da unidade e estabilidade da família, do direito dos pais a educar seus filhos de acordo com suas convicções, da justiça e da paz, da democracia e do bem comum. O combate à corrupção deve permear toda e qualquer ação cotidiana, na vida familiar, no mundo do trabalho, nas práticas religiosas. Combater a corrupção significa enfrentar até mesmo os pequenos atos cometidos no cotidiano, os quais – não obstante a sua aparente insignificância – acabam por corroer as relações sociais. Contudo, é indispensável combater a corrupção sistêmica e endêmica invisível e refinada, presente em práticas políticas e no mundo daqueles que exercem o poder econômico, que causa desigualdades entre países e aumenta os custos de uma nação.

12. Nas práticas sociais cotidianas, a corrupção tende a se tornar invisível. No dia a dia, não é comum que atitudes como a busca de apadrinhamento, a defesa de interesses particularistas no campo econômico e a obtenção de favorecimentos no campo social sejam nomeadas como atos corruptos. Esses atos supostamente menores não são nem pequenos, nem irrelevantes: eles acabam por cristalizar-se em atitudes que invadem as entranhas de uma cultura e que a contaminam em todo o seu sistema, gerando a impunidade, a falta de isonomia, e a privatização dos bens públicos. O fenômeno da corrupção está presente em vários momentos da vida social. São desvios que permeiam o cotidiano em sociedade e que contaminam a máquina pública.

13. Se é verdade que se difundiu um sentimento de desconfiança, é igualmente importante reafirmar que há esperança. Afinal, o reconhecimento das dificuldades e impasses representa, na mesma medida, oportunidades de intervenção e mudanças. Há uma demanda por mais espaços de participação e por maior controle popular sobre os espaços republicanos de poder. Para responder a esse desejo de participação que tem emergido, novas estruturas devem ser pensadas. O momento do voto não esgota a possibilidade de ação do cidadão. A democracia que se deseja construir supõe a conquista de ambientes nos quais o povo, em toda a sua diversidade, possa exercer plenamente sua natureza política. O cristão deve ocupar todo e qualquer lugar que lhe permita, pautado por sua fé e sua esperança, contribuir na construção de outra prática política, firmada nos valores éticos de promoção e defesa da vida.

14. A Igreja deposita especial confiança na força transformadora que brota dos jovens. Nesse sentido, insiste para que se abram a eles “canais de participação e envolvimento nas decisões, que possibilitem uma experiência autêntica de corresponsabilidade, de diálogo, de escuta e o envolvimento no processo de renovação contínua da Igreja. Trata-se de valorizar a participação dos jovens nos conselhos, reuniões de grupos, assembleias,
equipes, nos processos de avaliação e planejamento”4. Essa pedagogia do engajamento na comunidade deve, por sua vez, motivar um envolvimento real dos jovens na construção de uma sociedade mais justa, impulsionando-os a uma participação mais efetiva nas decisões políticas.

URGÊNCIA DA REFORMA POLÍTICA

15. O Estado que hoje existe evidencia os limites da democracia representativa e, efetivamente, não responde às necessidades dos novos sujeitos históricos5. Anseia-se por novas formas de vivência democrática que reconheçam “o caráter pluricultural da nação e o direito à identidade cultural, individual e coletiva; a igual dignidade das culturas, rompendo com a supremacia institucional da cultura ocidental; o caráter de sujeito político dos povos de comunidades indígenas, campesinas, ribeirinhas e quilombolas, superando o tratamento tutelar destes povos como objetos de políticas ditadas por terceiros; o reconhecimento das diversas formas de participação, consulta e representação direta de povos indígenas, camponeses e afrodescendentes”6. Nesse sentido, defende-se a democracia participativa como forma de ampliar os canais de participação do povo na vida política.

16. A despeito de todos os esforços que vimos empenhando e apesar do vigor mostrado pelas manifestações nas ruas em todo o País, ainda não aconteceu uma efetiva reforma política. Sem uma mudança no modo como são conduzidas as eleições, corremos o risco de ver limitado o poder transformador de nosso voto. Na forma como acontece atualmente, a campanha eleitoral é dominada pelo poder econômico. São campanhas caríssimas que cerceiam a disputa em condições de igualdade entre os candidatos e favorecem a corrupção. Não é raro que o candidato eleito já chegue ao poder refém de negociatas que o levam a agir apenas em consonância com os interesses de quem o financiou. Parte do mesmo problema são as onerosas propagandas eleitorais. Condições desiguais têm levado ao abuso do poder econômico que permite a superexposição daqueles que conseguem financiamentos milionários, em detrimento dos demais. Não há garantia plena de democracia se situações como essas não forem modificadas por uma ampla revisão das regras que ordenam as eleições no País. A assimetria nas campanhas impede a disputa justa, transparente e leal. Regras claras devem nortear a aplicação do dinheiro para as eleições com vistas a impedir a influência do poder econômico e das oligarquias.

17. A luta pela reforma política é a maneira de os cristãos se colocarem contra um difuso sentimento de decepção e descrença na política institucional que paira na sociedade. Pesquisas têm indicado uma baixa confiança da população nos poderes instituídos da República. Duvida-se da honestidade de todos os políticos, nivelando-os por baixo. Desconfia-se dos programas partidários e, mesmo que haja tais programas, não se acredita que os políticos sejam fiéis a eles e demonstrem coerência. Com frequência, esse clima tem levado o cidadão à sensação de que votar não adianta nada e de que a participação política é inútil. Tal atitude, porém, gera um círculo vicioso: o cidadão não participa porque as estruturas do País não correspondem aos interesses do povo; no entanto, tais estruturas não vão mudar sem sua participação. É necessário evitar, a todo custo, o desalento e encontrar oportunidades de agir em favor de mudanças consideradas como necessárias.

18. Não há espaço para projetos políticos que vislumbrem retrocessos num País que ainda tem alto déficit em termos de garantia igualitária dos direitos sociais. As demandas por
melhorias na educação e saúde públicas e na mobilidade urbana, por exemplo, sinalizam a necessidade de avanços dessas políticas, com mais investimentos públicos e adensamento de sua cobertura com qualidade. As mudanças almejadas pelo povo devem ser compreendidas como demandas para que o Estado aprofunde as conquistas e progressos já alcançados.

19. Por tudo isto, urge uma séria reforma política, como uma das principais reformas a serem realizadas em nosso País, pois, sem políticos qualificados sob todos os aspectos e comprometidos com as transformações que espera o povo brasileiro, será impossível avançarmos na democracia, que deve garantir também o igual acesso às condições dignas de vida para todos os brasileiros. Fazer reforma política é fazer as indispensáveis mudanças nas regras eleitorais hoje estabelecidas, bem como melhorar a representação do povo nos postos políticos, além de regulamentar os instrumentos da democracia participativa, através da qual, o próprio povo brasileiro decidirá, nos temas mais profundos e de maior impacto no País, qual é o caminho a seguir.

20. A partir de agosto de 2013 passou a se reunir, por convite da CNBB, um conjunto de Entidades organizadas da sociedade civil, de alta representatividade, para, a partir das exigências de mudanças na política, definir uma proposta unificada de reforma política para o Brasil, que angariasse o apoio das principais forças de mobilização da sociedade em torno de um projeto de lei de iniciativa popular. A este movimento deu-se o nome de “Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”. Hoje são quase cem entidades apoiadoras, dentre elas, a própria CNBB, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), a Plataforma dos movimentos sociais pela reforma do sistema político, o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), a CBJP (Comissão Brasileira de Justiça e Paz), a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), a ABRAMPPE (Associação dos Magistrados Procuradores e Promotores Eleitorais), o CNLB (Conselho Nacional do Laicato Brasileiro), o CONFEA (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia), a FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas), a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), o INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos), a Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular. Além disto, foi criada, recentemente, a Coalizão Parlamentar pela Reforma Política e Eleições Limpas, que soma cerca de uma centena de parlamentares apoiadores.

21. Este Projeto de Lei de Iniciativa Popular tem como objetivo melhorar a política no Brasil, assim como ocorreu com as Leis Contra a Corrupção Eleitoral (Lei 9840/1999) e da Ficha Limpa (Lei 135/2010), que só se transformaram em lei, com a união de Entidades e pessoas de bem. Estes são os principais pontos de consenso entre as Entidades:
a) a) afastar o poder econômico das eleições, através da proibição de financiamento de candidatos por empresas (pessoas jurídicas) e implantar o financiamento democrático, público e de pessoas físicas, ambos limitados;
b) b) adotar o sistema eleitoral chamado “voto transparente”, proporcional em dois turnos, pelo qual o eleitor inicialmente vota num programa partidário e posteriormente escolhe um dos nomes da lista ordenada no partido, com a participação de seus filiados, com acompanhamento da Justiça Eleitoral e do Ministério Público;
c) c) promover a alternância de homens e mulheres nas listas de candidatos dos partidos, porque o Brasil, onde as mulheres representam 51% dos eleitores, é um País de sub-representação feminina, com apenas 9% de mulheres na política;
d) d) fortalecer a democracia participativa, através dos preceitos constitucionais do Plebiscito, Referendo e Projeto de Lei de Iniciativa Popular, de modo a permitir sua efetividade, reduzindo-se as exigências para a sua realização e ampliando suas possibilidades de concretização.

22. Estes pontos não exigem Projetos de Emenda Constitucionais (PECs), por isto, com menos dificuldades, eles podem ser tramitados. E se forem aprovados, teremos dado mais um passo significativo na consolidação da democracia e na qualificação da dimensão política do Brasil. Nas eleições de 2014 precisamos eleger pessoas que se disponham a aprovar as grandes reformas necessárias ao Brasil melhor.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SUSTENTABILIDADE SOCIAL

23. A reflexão sobre a sustentabilidade, em suas múltiplas dimensões, tem papel central no debate sobre como alcançar o desenvolvimento. Três princípios devem, em igual medida, orientar o pensamento e a ação:
e) o respeito ao ser humano, ou seja, a vida humana deve ser o centro de todas as atividades sociais e econômicas;
f) a equidade, ou seja, a partilha justa e imparcial de bens, recursos e oportunidades;
g) o bem-estar das sociedades contemporâneas e futuras. Contrariando tais princípios, no mundo atual, a expansão do capitalismo – em especial em seu formato neoliberal, que prima pela busca desenfreada pelo lucro imediato e a qualquer preço – impede qualquer possibilidade de se alcançar sustentabilidade e desenvolvimento social. O combate a tal situação requer não somente a consciência individual – mudança de estilos de vida – como a luta coletiva pela reorientação dos objetivos da produção de bens materiais e o estabelecimento de consistentes políticas econômicas que tragam em seu bojo o necessário e justo desenvolvimento social.

24. Todo discurso e prática que privilegiem os aspectos econômicos em detrimento dos aspectos relacionados à qualidade de vida e dignidade das pessoas deve ser objeto de atenta análise por parte dos eleitores. Como alerta o Papa Francisco, “devemos dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social. Essa economia mata. […] Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência dessa situação, grandes massas da população veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do descartável, que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são explorados, mas resíduos, sobras”7.

25. Na resistência a esse modelo excludente, o direito a livre manifestação se constitui como dever cívico. No entanto, não pode se transformar na imposição, pela violência, do desejo discricionário de grupos que, muitas vezes, utilizam de manifestações populares com objetivos escusos. Numa sociedade marcada pela violência, naturalizada por formas explícitas de preconceito, ódio e exclusão, é preciso que o Estado atente para que a política de segurança pública seja a garantia dos direitos humanos e nunca limite o ser exercício. “O movimento rumo à identificação e à proclamação dos direitos do homem é um dos mais relevantes esforços para responder de modo eficaz às exigências imprescindíveis da dignidade humana”8. Assim, há que se reconhecer que, fundamentalmente, “a paz é fruto da justiça” (Is 32, 17).

26. Nesse momento político, marcado pelas eleições presidenciais, de governadores de Estado e dos poderes legislativos federal e estaduais “incentive-se cada vez mais a participação social e política dos cristãos leigos e leigas nos diversos níveis e instituições, promovendo-se formação permanente e ações concretas”9. Indica-se, portanto, a prática saudável de acompanhar o processo eleitoral por meio do conhecimento da história dos
candidatos e, particularmente, do conhecimento da história do financiamento das campanhas de cada um deles. Sugere-se a atenção, principalmente, para os processos corrosivos que sobrevivem nas práticas eleitorais tais como a compra e venda de votos, o financiamento de campanha por empresas que, posteriormente, vão se beneficiar dos governos.

27. O combate à corrupção e a defesa dos valores éticos deve se sustentar no princípio da liberdade de expressão e de pensamento. Para isso torna-se necessário que a mídia, compreendida como instrumento de poder, seja democratizada. Quase sempre dirigindo-se às instituições políticas de forma negativa, como se política fosse coisa suja, onde prevalecem pessoas sem ética, a mídia reforça a descrença da população. Ao fazê-lo, deixa de favorecer uma educação popular capaz de questionar os fundamentos da ação política sem ética, o que beneficia os interessados em deixar a situação tal como está.

28. A democratização da mídia exige que se discuta o modo como se comunica e se distribui a informação. As inovações tecnológicas permitem o surgimento de novos sujeitos no campo da economia, da cultura, dos movimentos sociais e políticos. É preciso que seja garantido o acesso desses sujeitos aos meios de comunicação. Daí a necessidade de que se revejam as regras atuais de concessão do direito desses bens, cuja finalidade maior é o bem público, e não o benefício privado de seus detentores. A mídia deve estar – ainda mais intensamente no período eleitoral – a serviço da verdade e do bem comum. Os meios de comunicação devem ser, de fato, instrumentos que estimulem o debate e formem a consciência crítica cidadã. Dessa forma, a mídia pode desempenhar um valioso papel no aprimoramento da democracia.

29. Com o “Pensando o Brasil”, a CNBB convoca os cidadãos a se prepararem conscientemente para o momento da eleição. O eleitor consciente deve conhecer o passado de seu candidato e averiguar se o discurso e a prática por ele apresentados se conformam aos valores da ética e do bem comum. É preciso também exercer a missão profética de todo cristão e manter uma atitude de fiscalização e vigilância. Diante de irregularidades, é necessário denunciar. O silêncio e a omissão também são responsáveis pela deterioração da democracia. Por fim, é indispensável o acompanhamento dos candidatos eleitos e o engajamento em prol de uma efetiva reforma política. A fé não pode ser vivida isoladamente, mas em comunidade e no exercício da caridade. Essa virtude cristã se manifesta, sobretudo, no zelo pelo próximo, de modo que não sobre na mesa de poucos, aquilo que falta na mesa de muitos. Daí a necessidade de que todos os cristãos se empenhem para que se efetivem, no País, os valores da igualdade, da dignidade humana e da justiça social.

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